GAKUDO YOJIN SHU
DE
DOGEN ZENJI
PONTOS A SEREM OBSERVADOS NO TREINAMENTO BUDISTA
1. DA NECESSIDADE DE DESPERTAR A MENTE BODHI
A mente Bodhi é conhecida por muitos nomes; mas todos se referem à Mente Única do Buda. O Venerável Nagarjuna disse, “A mente que vê dentro do fluxo do surgimento e da decomposição e que reconhece a natureza transiente do mundo é também conhecida como a Mente Bodhi.” Por que, então, é a dependência temporária nessa mente chamada a Mente Bodhi? Quando a natureza transiente do mundo é reconhecida, a mente comum egoísta não surge; nem surge a mente que busca por fama e lucro.
Consciente que o tempo não espera por quem quer que seja, treine como se estivesse tentando salvar sua cabeça de pegar fogo. Refletindo na natureza transiente do corpo e vida, se esforcem como o Buda Shakyamuni fez ao levantar seu pé.
Mesmo que você ouça o chamado bajulador do deus Kimnara e o pássaro kalavinka, não prestem atenção a tal, os considerando apenas como se fossem a brisa vespertina soprando em seus ouvidos. Apesar de ver um rosto tão belo quanto aquele de Mao-ch’ang ou Hsi-shih, os considere meramente como se fossem o orvalho matinal bloqueando a vista.
Quando livres das ligaduras do som, cor e forma, naturalmente vocês se tornarão uma só coisa com a verdadeira mente Bodhi. Desde os tempos antigos houve aqueles que pouco ouviram falar do verdadeiro Budismo e outros que pouco ouviram falar dos sutras. A maioria desses tombou no buraco da fama e do lucro, perdendo para sempre a essência do Caminho. Que lastimável! Que pena! Isso deve ser muito bem compreendido.
Mesmo que você tenha lido os ensinamentos verdadeiros dos excelentes sutras ou aqueles expedientes ou transmitido ensinamentos esotéricos ou exotéricos, a menos que você tenha abandonado a fama e o lucro não pode ser dito ter despertado para a mente Bodhi.
Existem aqueles que dizem que a mente Bodhi é a mente suprema da iluminação do Buda, livre da fama e do lucro. Outros que dizem ser aquilo que abarca um bilhão de mundos num só momento de pensamento ou que é o ensinamento onde sequer um pensamento iludido desperta. Ainda outros dizem que é a mente que entra diretamente no reino de Buda. Essas pessoas, ainda não compreendendo o que é a mente Bodhi, temerariamente a caluniam. Estão de fato muito removidos do Caminho.
Considerem suas mentes comuns, egoisticamente ligadas como estão à fama e ao lucro. Estará ela agraciada com a essência e aparição dos três mil mundos num só momento de pensamento? Terá ela experimentado o ensinamento no qual nem um só pensamento iludido surge? Não, ali nada há senão a ilusão da fama e do lucro, nada digno de ser chamado de mente Bodhi.
Apesar de ter havido patriarcas nos tempos antigos que usaram meios seculares de atingir a iluminação, não houve nenhum deles que estivesse ligado à fama e ao lucro, ou mesmo até ao Budismo, muito menos ainda ao mundo comum.
A mente Bodhi é, como mencionado anteriormente, aquilo que reconhece a natureza transiente do mundo — uma das quatro penetrações. É por completo diferente daquilo imaginado por alucinados.
A mente que não surge e a aparição do um bilhão de mundos são boas práticas depois de se ter desperto a mente Bodhi. Contudo, não se deve confundir o “antes” e o “depois”. Simplesmente se esqueçam de si mesmos e calmamente pratiquem o Caminho. Isso verdadeiramente é a mente Bodhi.
Os sessenta e dois pontos de vista estão baseados no ego; portanto, ao surgirem pontos de vista egoístas, simplesmente façam o zazen, observando seu surgimento. Qual é a base do seu corpo, suas possessões externas e internas? Vocês receberam seus corpos, cabelos e peles de seus pais. O óvulo e o esperma de seus pais, contudo, estão vazios do começo ao fim; portanto não existe ego ali. A mente, o pensamento discriminatório, a consciência, o conhecimento e o pensamento dualista atam a vida. O que é, em última análise, a expiração e a inalação? Eles não são o ego. Não existe ego algum ao qual se apegar. Os iludidos, contudo, se apegam ao ego, enquanto os iluminados estão desapegados. Mesmo assim você procura medir o ego que não é o ego, e fica ligado a surgimentos que são não-surgimentos, negligenciando a prática do Caminho. Deixando de cortar seus laços com o mundo, vocês se afastam dos verdadeiros ensinamentos e buscam os falsos. Vocês ousam dizer que não estão agindo incorretamente?
2. DA NECESSIDADE DE PRATICAR AO SE ENCONTRAR COM A VERDADEIRA LEI
A mente de um rei com frequência pode ser alterada como resultado de recomendação dada por um conselheiro leal. Se os Budas e patriarcas oferecerem seja uma só palavra, não haverá ninguém que permaneça não convertido. Apenas reis sábios, contudo, acatam as recomendações de seus conselheiros, e apenas praticantes excepcionais ouvem as palavras do Buda.
É impossível de cortar a fonte da transmigração sem arrojar fora a mente iludida. Da mesma forma, se um rei deixar de considerar as recomendações de seus conselheiros, a política virtuosa não prevalecerá, e ele será incapaz de governar bem o país.
3. DA NECESSIDADE DE REALIZAR O CAMINHO ATRAVÉS DA PRÁTICA INCESSANTE
Leigos crêem que postos governamentais possam ser obtidos através da preparação e do es-tudo. O Buda Shakyamuni ensina, contudo, que o treinamento abarca a iluminação. Eu nunca ouvi falar de ninguém que tivesse se tornado funcionário governamental sem estudo ou que realizasse a iluminação sem treinamento.
Apesar de ser verdade que diferentes métodos de treinamento existam — aqueles baseados na fé ou na Lei, a realização da iluminação gradativa ou a súbita — ainda assim, se ganha a iluminação como resultado do treinamento. Da mesma forma, apesar da profundidade do conhecimento das pessoas poder diferir, assim como a velocidade de suas compreensões, cargos governamentais são adquiridos através de estudos acumulados. Nenhuma dessas coisas depende se os dirigentes sejam bons ou não, ou se a pessoa tem sorte ou não.
Se cargos governamentais pudessem ser adquiridos sem estudos, quem poderia transmitir o método pelo qual o rei anterior regeu o país? Se a iluminação pudesse vir sem treinamento, quem poderia compreender o ensinamento do Tathagata, distinguindo, como faz, a diferença entre a ilusão e a iluminação? Compreenda que apesar de praticar no mundo da ilusão, a iluminação já está ali. Então, pela primeira vez, você perceberá que barcaças e jangadas (os sutras) são somente o sonho de ontem e você será capaz de cortar os velhos pontos de vista que lhe atava a eles.
O Buda não lhe força essa compreensão. Ao invés, provem naturalmente do seu treinamento no Caminho, pois que o treinamento convida a iluminação. Seu próprio tesouro não vem de fora. Já que a iluminação é unificada com o treinamento, a ação iluminada não deixa traços. Portanto, ao fazer uma retrospectiva do treinamento com olhos iluminados, você não achará ali ilusão alguma, justamente como as brancas nuvens se estendem por dez mil quilômetros para cobrir todo o céu.
Quando a iluminação é harmonizada com o treinamento, você não pisa em sequer uma partícula de pó. Se você for capaz de fazer isso, você estará tão longe da iluminação quanto o céu está da terra. Se você retornar a seu verdadeiro Eu, pode transcender mesmo o estado de Buda. (Escrito em 9 de março do segundo ano de Tempuku-1234)
4. DA NECESSIDADE DA PRÁTICA SEM EGOÍSMO DO CAMINHO
Na prática do Caminho é necessário aceitar o verdadeiro ensinamento de nossos predecessores, deixando de lado nossas noções preconcebidas. O Caminho não pode ser realizado com a mente ou sem ela. A menos que a mente da prática incessante seja unificada com o Caminho, nem o corpo nem a mente conhecerão a paz. Quando o corpo e a mente não estão em paz, se tornam obstáculos à iluminação.
Como podem a prática e o Caminho ser harmonizados? Para fazer isso a mente não deve nem se apegar nem rejeitar nada; deve estar completamente livre de (apegos a) fama e lucro. A pessoa não se submete ao treinamento Budista em prol de terceiros. A mente dos praticantes Budistas, como a da maior parte das pessoas de hoje em dia, contudo, estão longe de compreender o Caminho. Eles fazem aquilo que outros elogiam apesar de estarem conscientes que é falso. Por outro lado, não praticam aquilo de que outros zombam apesar de ser o verdadeiro Caminho. Que lastimável!
Reflitam calmamente se suas mentes e ações são unas com o Budismo ou não. Ao fazerem isso, perceberão como são vergonhosas. Os olhos penetrantes dos Budas e patriarcas estão constantemente iluminando todo o universo.
Já que praticantes Budistas nada fazem para si mesmos, como poderiam fazer o que fosse pela fama e pelo lucro? A pessoa deve praticar apenas pelo Budismo. Os vários Budas não demonstram compaixão por todos os seres sencientes por causa de si mesmos ou outros. Essa é a tradição Budista.
Vejam como até mesmo animais e insetos alimentam suas crias, aguentando todo o tipo de dificuldades no processo. Os pais nada ganharão com tais ações, mesmo depois que suas crias cheguem à maturidade. Contudo, apesar de serem apenas pequenos seres, têm compaixão profunda por seus filhos. É o que acontece também quanto à compaixão dos vários Budas por todos os seres sencientes. Os ensinamentos excelentes desses vários Budas, contudo, não estão apenas limitados à compaixão; ao invés, aparecem em formas incontáveis pelo universo afora. Essa é a essência do Budismo.
Somos já os filhos do Buda; portanto, devemos seguir em suas pegadas. Praticantes, não treinem o Budismo para seus benefícios próprios, para a fama e lucro, ou por recompensas ou poderes miraculosos. Simplesmente pratiquem o Budismo pelo Budismo; esse é o Caminho verdadeiro.
5. DA NECESSIDADE DE SE BUSCAR UM VERDADEIRO MESTRE
Um patriarca anterior disse de certa feita, “Se a mente Bodhi for falsa, todo o treinamento da pessoa de nada adiantará.” Esse dito é de fato verdadeiro. Além disso, a qualidade do treinamento do discípulo depende da verdade ou falsidade de seu mestre.
O praticante Budista pode ser comparado a um bom pedaço de madeira, e um verdadeiro mestre a um bom carpinteiro. Mesmo madeira de qualidade não mostrará sua bela textura a menos que seja trabalhada por um bom carpinteiro. Mesmo um pedaço de madeira inferior e torto, mostrará logo, se trabalhado por um bom carpinteiro, os resultados de um hábil aproveitamento. A verdade ou falsidade da iluminação dependem da pessoa ter um bom mestre. Isso deve ser bem compreendido.
No nosso país, contudo, não houve mestres verdadeiros desde a antiguidade. Podemos constatar isso ao examinar suas palavras, assim como podemos dizer algo sobre a fonte do rio pegando um pouco de água rio abaixo.
Por séculos, mestres nesse país compilaram livros, ensinaram discípulos e conduziram seres humanos e celestes. Suas palavras, contudo, ainda eram verdes, imaturas, pois não haviam atingido o estado último no treinamento. Ainda não tinham chegado à esfera da iluminação. Ao invés, eles meramente transmitiram palavras e fizeram com que outros recitassem nomes e letras. Dia e noite eles contabilizaram o tesouro de outrem, sem eles mesmos perceberem nada para si.
São esses mestres antigos os responsáveis por este estado de coisas. Alguns deles ensinavam que a iluminação deveria ser buscada fora da mente, outros que o renascimento no Paraíso era o objetivo. Aqui está a fonte de toda a confusão e ilusão.
Mesmo que se dê bom remédio a alguém, a menos que se ensine também como tomá-lo adequadamente, a doença pode piorar; de fato, (tomar o remédio) pode ser pior do que tomar veneno. Já que desde os tempos antigos não houve bons médicos em nosso país que fossem capazes de preencher a prescrição correta ou de distinguir entre veneno e remédio. Por essa razão tem sido extremamente difícil eliminar o sofrimento e a doença da vida. Como, então, podemos escapar dos sofrimentos da velhice e da morte?
Tal situação é completamente culpa dos mestres, não dos discípulos. Por quê? Porque guiam os discípulos pelos galhos da árvore, esquecendo as raízes. Antes que plenamente compreendessem o Caminho eles mesmos, se dedicam unicamente a suas mentes egoístas, engodando a outros ao mundo da ilusão. Que lamentável é que mesmos esses mestres estejam inconscientes de suas próprias ilusões. Como se pode esperar que seus discípulos saibam a diferença entre certo e errado?
Infelizmente, o verdadeiro Budismo ainda tem que se espalhar para esse pequeno país periférico, e verdadeiros mestres ainda tem que nascer. Se você quer estudar o Caminho supremo, deve visitar mestres na longínqua China Sung, e ali refletir na verdadeira via que está além da mente iludida. Se você for incapaz de encontrar um verdadeiro mestre, é melhor não estudar o Budismo de forma nenhuma. Verdadeiros mestres são aqueles que realizaram a verdadeira Lei e que receberam um selo de um mestre genuíno. Nada tem a ver com suas idades. Para eles nem o conhecimento nem a erudição são de importância primordial. Possuindo poder e influência extraordinários, eles não se baseiam em pontos de vistas egoístas ou se arrimam a qualquer obsessão, pois harmonizaram perfeitamente o conhecimento e a prática. São essas as características de um verdadeiro mestre.
6. CONSELHOS PARA A PRÁTICA DO ZEN
O estudo do Caminho através da prática do zazen é de importância vital. Não se deve negligenciar isso ou levar na leveza. Na China existem excelentes exemplos de antigos mestres Zen que cortaram fora braços ou dedos. Há muito tempo atrás o Buda Shakyamuni renunciou tanto à sua casa quanto a seu reino — um outro belo traço da prática do Caminho. Aqueles do dia presente, contudo, dizem que se deve praticar apenas aquilo que é facilmente praticável. Suas palavras estão muito erradas e muito distantes do Caminho. Se você se dedicar a uma coisa exclusivamente e achar que isso é o treinamento, então até se deitar vai ficar tedioso. Se uma coisa ficar tediosa, todas as coisas se tornam tediosas. Você deve saber que aqueles que gostam de coisas fáceis são, claro, indignos da prática do Caminho.
Nosso grande professor, Shakyamuni, foi incapaz de ganhar o ensinamento que prevalece no mundo atual até depois de se submeter a um treinamento árduo durante eras incontáveis no passado. Considerando o quão dedicado o fundador do Budismo era, como poderiam seus descendentes serem menos? Aqueles que buscam o Caminho não devem esperar por treinamento fácil. Se o fizerem, nunca serão capazes de atingir o verdadeiro mundo da iluminação ou achar a casa do tesouro. Mesmo os mais dotados dos antigos patriarcas afirmaram que o Caminho é difícil de ser praticado. Você deve perceber o quão profundo e imenso o Budismo é. Se o Caminho fosse, originalmente, tão fácil de ser praticado e compreendido, estes antigos e dotados patriarcas não teriam enfatizado sua dificuldade. Em comparação com os antigos patriarcas, as pessoas de hoje em dia não equivalem sequer a um cabelo numa manada de nove vacas! Isto é, mesmo que esses modernos, aos quais falta habilidade e conhecimento, se exerçam ao máximo, suas imaginárias práticas difíceis ainda seriam incomparáveis àquelas dos antigos patriarcas.
O que é aquele ensinamento facilmente praticado e facilmente compreendido tão apreciado pelo homem moderno? Não é nem um ensinamento secular nem budista. É inferior até à prática de demônios e maus espíritos, bem como àquela de religiões não-Budistas e os dois veículos. Pode ser dita ser a grande ilusão de homens e mulheres comuns. Apesar de imaginarem ter escapado do mundo iludido, muito pelo contrário, eles meramente se sujeitaram à transmigração sem fim.
Se acredita que quebrar os próprios ossos e medula para ganhar o Budismo sejam práticas difíceis. Mais difícil ainda, contudo, é controlar a mente, muito mais ainda se submeter a austeridades prolongadas e treinamento puro, enquanto o controle das ações físicas da pessoa é o que há de mais difícil de tudo.
Se esmagar os próprios ossos tivesse qualquer valor, os muitos que passaram por esse treinamento no passado deveriam ter realizado a iluminação, enquanto de fato poucos fizeram isso. Se a prática de austeridades tivesse qualquer valor, os muitos que passaram por isso no passado também deveriam ter se iluminado; mas aqui também, apenas poucos o fizeram. Tudo isso advém da grande dificuldade de controlar a mente. No Budismo nem uma mente brilhante nem uma compreensão escolástica é de importância fundamental. O mesmo vale para mente, consciência discriminativa, pensamento e penetração. Nenhum desses é de qualquer valor, pois o Caminho só pode ser entrado através da harmonização de corpo e mente.
O Buda Shakyamuni disse, “Voltando a corrente da percepção da mente para dentro, esqueça-se de conhecer e ser conhecido.” Aqui está o verdadeiro significado do dito acima. As duas qualidades do movimento e do não-movimento não apareceram absolutamente; essa é a verdadeira harmonia.
Se fosse possível entrar no Caminho com base numa mente brilhante e amplo conhecimento, o altamente posicionado Shen-shin deveria certamente ter sido capaz de o fazer. Se o nascimento comum fosse um obstáculo para a entrada no caminho, como Hui-neng se tornou um dos patriarcas Chineses? Esses exemplos claramente mostram que o processo de transmissão do Caminho não depende nem de uma mente brilhante nem de conhecimento amplo. Ao buscar a Lei, reflita sobre você mesmo e pratiquem com diligência.
Nem a juventude nem a velhice são obstáculos para se entrar no Caminho. Chao-chou tinha mais de sessenta anos de idade quando deu início à sua prática, e, contudo, se tornou um patriarca destacado. A filha de Cheng, por outro lado, tinha apenas treze anos de idade, mas havia já atingido uma profunda compreensão do Caminho, tanto assim que se tornou uma das melhores praticantes do seu mosteiro.
A majestade do Budismo aparece de acordo com se o esforço foi feito ou não, e difere de acordo com se o treinamento foi envolvido.
Aqueles que por muito tempo de se dedicaram ao estudo dos sutras, bem como aqueles que são bem versados em conhecimentos seculares, devem visitar um mosteiro Zen. Existem muitos exemplos daqueles que o fizeram. Hui-ssu do Monte Nan-yueh era uma pessoa de múltiplos talentos, e, contudo, praticou com Bodhidharma. Hsuan-chueh do Monte Yung-chia era o melhor dos homens; ainda assim ele praticou com Ta-chien (Hui-neng). O esclarecimento da Lei e a realização do Caminho dependem do poder derivado do treinamento sob mestres Zen.
Ao visitar um mestre Zen para buscar instrução, ouça seu ensinamento sem procurar fazê-lo conformar com seus próprios pontos de vista auto-centrados; de outra forma você não será capaz de compreender o que ele diz. Purificando seu próprio corpo e mente, olhos e ouvidos, simplesmente ouçam seu ensinamento, expelindo qualquer outro pensamento. Unifique seu corpo e mente e receba o ensinamento do mestre como se água estivesse sendo vertida de um vaso a outro. Se você o fizer, então pela primeira vez você será capaz de compreender seu ensinamento.
Nos dias de hoje, existem algumas pessoas muito tolas que ou se dedicam a memorizar as palavras e frases dos sutras ou se apegam àquilo que ouviram anteriormente. Tendo feito isso, eles tentam equacionar isso com o ensinamento do mestre. Nesse caso, contudo, existe apenas aqui seus próprios pontos de vista e as palavras dos antigos. Consequentemente, as palavras do mestre não são observadas. Outros ainda, dando primazia às suas próprias ideias autocentradas, abrem os sutras e memorizam uma palavra ou duas, imaginando ser esse o Budismo. Mais tarde quando são ensinados a Lei por um mestre Zen iluminado, eles consideram seu ensinamento como verdadeiro se corresponder com seus próprios pontos de vista; de outra forma acham que é falso. Não sabendo como abandonar esta forma errônea de ver o mundo, são incapazes de voltar ao verdadeiro Caminho. Devem ser tidos em piedade, pois suas ilusões durarão por toda a eternidade. Que lamentável!
Praticantes Budistas devem perceber que o Budismo está além seja do pensamento, discriminação e imaginação ou penetração e compreensão intelectual. Se isso não fosse assim, porque então, tendo sido agraciado com essas variadas faculdades desde o nascimento, você ainda não ganhou o Caminho?
O pensamento, a discriminação e assim por diante devem ser evitadas na prática do Caminho. Isso se tornará claro se, usando o pensamento e as demais faculdades, você se examinar cuidadosamente. O portão da Verdade é conhecido apenas aos mestres Zen iluminados, não aos seus contrapartes eruditos.
(Escrito em 5 de abril, do segundo ano de Ten-puku (1234))
7. DA NECESSIDADE DO TREINAMENTO ZEN NA PRÁTICA E ILUMINAÇÃO BUDISTAS
O Budismo é superior a qualquer outro ensinamento. Por essa razão muitas pessoas o adotam. Durante a vida do Tathagata havia somente um ensinamento e um professor. O Grande Mestre sozinho conduzia todos os seres com sua Sabedoria Suprema. Desde que o venerável Mahakasyapa transmitiu o Olho e o Tesouro da Verdadeira Lei, vinte e oito gerações na Índia, seis gerações na China, e os vários patriarcas das cinco escolas do Zen o transmitiram ininterruptamente. Desde a era P’u-t’ung (520-526) no Estado Chinês de Li-ang todos os indivíduos verdadeiramente superiores — de monges a súditos imperiais — tomaram refúgio no Budismo Zen.
A verdade é que a excelência deve ser amada por sua própria causa. Não se deve amar dragões como o fazia Yeh-kung. Nos vários países a leste da China a rede armada do Budismo escolástico foi espalhada por sobre os mares e montanhas. Apesar de espalhada sobre as montanhas, contudo, não continha o coração das nuvens; apesar de espalhada sobre os mares, a ela faltava o coração das ondas. Os tolos gostam desse tipo de Budismo. Se deleitando com isso como aqueles que confundem uma pérola com o olho de um peixe, ou aqueles que valorizam uma pedra do Monte Yen na crença que se trata de uma joia preciosa. Muitas tais pessoas caem no poço de demônios, com isso perdendo suas identidades verdadeiras.
A situação em países remotos como esse é lastimável de fato; pois aqui, onde os ventos dos falsos ensinamentos sopram por toda a parte livremente, é difícil disseminar a verdadeira Lei. A China, contudo, já tomou refúgio na verdadeira Lei do Buda. Por que então ainda não se espalhou nem para nosso país nem para a Coréia? Apesar de na Coréia ao menos ser possível ouvir-se o nome da verdadeira Lei, no nosso país até mesmo tal coisa é impossível. Isso se deve ao fato dos muitos professores que foram estudar o Budismo na China terem se apegado à rede do Budismo escolástico. Apesar de eles terem transmitido vários textos Budistas, eles parecem ter se olvidado do espírito do Budismo. Do que vale isso? Finalmente nada é. Tudo se deve ao fato de não conhecerem a essência do estudo e da prática do Caminho. Que lamentável que tenham trabalhado tão duro todas suas vidas para nada.
Quando se entra primeiro o portão do Budismo e começar o estudo do Caminho, simplesmente ouçam o ensinamento do mestre Zen e pratiquem de acordo. Naquele momento o seguinte deve ser sabido: a Lei gira si mesmo e si mesmo gira a Lei. Quando si mesmo gira a Lei, o si mesmo está forte e a Lei está fraca. Em caso contrário, a Lei está forte e o si mesmo está fraco. Apesar de no Budismo ter havido esses aspectos durante muito tempo, são conhecidos apenas àqueles a quem foi dada a verdadeira transmissão. Sem um verdadeiro mestre, não é mesmo possível ouvir os nomes desses dois aspectos.
A menos que a pessoa conheça a essência de estudar o Caminho, não é possível praticá-lo; de outra forma, como se determinaria o que está certo ou errado? Aqueles que estudam o Caminho pela prática do zazen naturalmente transmitem essa essência. Por isso não houve erros feitos na transmissão, algo que não pode ser dito de outras seitas Budistas. Aqueles que buscam o Budismo não podem realizar o verdadeiro Caminho sem a prática do zazen.
8. DA CONDUTA DE MONGES ZEN
Desde o tempo do Buda, os vinte e oito Patriarcas na Índia e os seis na China diretamente transmitiram a verdadeira Lei, não acrescentando sequer um fio de cabelo, nem permitindo que uma partícula de pó penetrasse. Com a transmissão do kasaya para Hui-neng, o Budismo se espalhou pelo mundo afora. No presente o Tesouro do Tathagata da Verdadeira Lei está florescendo na China. É impossível realizar o que seja a Lei a buscando. Aqueles que viram o Caminho esquecem seus conhecimentos dele, transcendendo a consciência relativa.
Hui-neng perdeu seu rosto (sua identidade iludida) enquanto treinava no Monte Huang-mei. Hui-k’o mostrou sua sinceridade cortando seu braço diante da caverna de Bodhidharma, realizando através dessa ação, a essência do Budismo e mudando sua mente iludida para a iluminação. Dali em diante ele se prostrou ante a Bodhidharma em respeito profundo antes de voltar à sua posição original. Assim ele realizou a liberdade absoluta, não morando mais nem no corpo nem na mente, sem apegos, ilimitado.
Um monge perguntou a Chao-chou, “Um cachorro tem a natureza de Buda ou não?” Chao-chou replicou, “Wu (não).” Essa palavra Wu não pode nem ser mensurada nem medida, pois nada para há para se segurar. Sugiro que vocês tentem abandonar! Então se levantem as seguintes questões: O que é corpo e mente? O que é a conduta Zen? O que é nascimento e morte? O que é o Budismo? O que é assuntos mundanos? E o que, em última análise, são montanhas, rios e a terra, ou homens, animais ou casas?
Se vocês continuarem a se colocar essas questões, os dois aspectos — movimento e não-movimento — nitidamente não aparecem. Essa não-aparição não quer, contudo, dizer inflexibilidade. Infelizmente muito poucas pessoas percebem isso, enquanto muitos outros são iludidos com isso. Praticantes Zen podem realizar isso depois que treinarem por algum tempo. É minha esperança sincera, contudo, que vocês não parem de treinar mesmo depois de se tornar plenamente iluminados.
9. DA NECESSIDADE DE PRATICAR DE ACORDO COM O CAMINHO
Praticantes Budistas devem em primeiro lugar determinar se ou não suas práticas estão dirigidas ao Caminho. Shakyamuni, que era capaz de harmonizar e controlar seu corpo, discurso e mente, sentou debaixo de uma gameleira fazendo zazen. Subitamente, depois de ter avistado a estrela da manhã, ele se tornou iluminado, realizando o Caminho supremo mais elevado, que está muito além daqueles dos Sravakas e Pratyekabuddhas. A iluminação que o Buda realizou através de seus próprios esforços foi transmitida de Buda para Buda sem interrupções até o dia presente. Como poderia, então, aquele que realizar essa iluminação não se tornar Budas? Estar dirigido ao Caminho é saber com que isso se parece e a que distância se encontra. O Caminho jaz debaixo dos pés de cada pessoa. Quando você se torna uno com o Caminho você vê que se encontra bem onde você está, assim realizando a iluminação perfeita. Se, contudo, ficar orgulhoso de sua iluminação, apesar de ser muito profunda, será somente uma iluminação parcial. Esses são os elementos essenciais de se estar dirigido ao Caminho.
Praticantes de hoje em dia querem muito ver milagres, apesar de não compreenderem como funciona o Caminho. Quem desses não estará enganado? São como a criança que, abandonando seus pais ou a fortuna de seus pais, foge de casa. Apesar de seu pai ser rico, e ele, como filho único, algum dia a herdar, ele se torna um mendigo, procurando sua riqueza em lugares longínquos. É o que ocorre de fato.
Estudar o Caminho é tentar se unificar com ele — esquecer o menor traço da iluminação. Aqueles que praticam o Caminho em primeiro lugar devem crer nele. Aqueles que crêem no Caminho devem acreditar que estiveram no Caminho desde o começo, sujeitos nem a ilusões, pensamentos iludidos e ideias confusas, nem a aumento, diminuição e compreensão errônea. Gerando crença desse tipo, esclareçam o Caminho e pratiquem de acordo — essa é a essência de estudar o Caminho.
O segundo método de treinamento Budista é cortar a função da consciência discriminatória e se voltar da estrada da compreensão intelectual. Essa é a forma em que novatos devem ser guiados. Dali em diante serão capazes de deixar corpo e mente cair fora, se libertando de ideias dualistas de ilusão e iluminação.
Em geral existem muito poucos que acreditam estar no Caminho. Se apenas você acreditar que está verdadeiramente no Caminho, você naturalmente será capaz de compreender como ele funciona, bem como o verdadeiro significado de ilusão e iluminação. Faça uma tentativa de cortar fora as funções da consciência discriminatória; então, subitamente, você terá quase realizado o Caminho.
10. A REALIZAÇÃO DIRETA DO CAMINHO
Existem duas formas de se realizar a iluminação. Uma é treinar sob um verdadeiro mestre Zen, ouvindo seu ensinamento; a outra é fazer o zazen de todo o coração. No primeiro caso você dá rédeas plenas à mente discriminatória, enquanto no último, a prática e a iluminação se tornam unificadas. Para entrar no Caminho, nenhum desses dois métodos pode ser dispensado.
Todos estão agraciados com corpo e mente, apesar de suas ações inevitavelmente variarem, sendo fortes ou fracos, bravos ou não. É, contudo, através das ações de nosso corpo e mente que nós nos iluminamos diretamente. Isso é conhecido como a realização do Caminho.
Não há necessidade de trocar nosso corpo e mente existenciais, pois a realização direta do Caminho simplesmente quer dizer se tornar iluminado treinando sob um verdadeiro mestre Zen. Fazer isso é nem se ligar a velhos pontos de vista nem criar novos; é simplesmente realizar o Caminho.
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